Perguntas frequentes

Nesta página, encontrarão as perguntas que mais frequentemente têm sido feitas pelos pais e as respectivas respostas. Foram agrupadas e publicadas no Guia para Famílias de Pessoas Trans*, no âmbito do projeto Ampliando Famílias.

O QUE É UMA PESSOA TRANS*?

É uma pessoa cuja expressão de género (modo como se apresenta socialmente) e/ou identidade de género (género com o qual se identifica), não correspondem às características habitualmente associadas ao sexo que lhe foi atribuído à nascença.

É uma experiência relativamente comum, ainda que socialmente invisibilizada e culturalmente diversa. A identidade de género é uma experiência pessoal e íntima, pelo que só a própria pessoa sente e sabe aquilo que é.

Esta autoidentificação pode apresentar diversas possibilidades: a pessoa pode identificar-se com o género “oposto” ao que lhe foi atribuído à nascença (ter sido registada como do sexo masculino e identificar-se como rapariga/mulher ou vice-versa), não se identificar com qualquer dos géneros (com o masculino ou feminino), identificar-se com ambos ou oscilar na identificação entre um ou outro género.

Uma mulher ou rapariga trans é uma pessoa que se identifica com o género feminino, tendo-lhe sido atribuído à nascença o sexo masculino. Já um homem ou rapaz trans é uma pessoa que se identifica com o género masculino, tendo-lhe sido atribuído à nascença o sexo feminino.

De forma a incluir todas as diversidades, surgiu a designação de pessoa transgénero ou pessoa trans* (termo mais inclusivo e que, por isso, adotámos neste guia).

AS PESSOAS TRANS* SÃO TODAS IGUAIS?

Não. Há diferentes modos de identificação e de expressão de género, sendo sempre único o modo e a forma que a pessoa trans* utiliza para pensar em si própria, se nomear e apresentar socialmente.

Por exemplo, quando o sentimento é de constante pertença ao sexo “oposto” ao que lhes foi atribuído à nascença, geralmente essas pessoas identificam-se como transexuais. Mas a identificação pode ser no sentido de a pessoa, seja adulta, jovem ou criança, não se identificar de uma maneira constante com qualquer das categorias (masculina ou feminina), caso em que se apresenta como uma pessoa não binária. Estas designações de pessoas trans* e não binárias não esgotam todas as possíveis identificações de género (ver Glossário).

SER TRANS* É A MESMA COISA QUE SER GAY/LÉSBICA?

Não. São dois conceitos diferentes que refletem situações diferentes. Uma coisa é a identidade de género, outra a orientação sexual. A identidade de género é referente à forma como a pessoa se sente e identifica quanto ao género, já a orientação sexual está relacionada com a atração (física e/ou emocional) por outras pessoas. Contudo, a confusão entre identidade de género (ser trans*) e orientação sexual (ser gay ou lésbica) é muito comum.

Devido a este equívoco, aos estereótipos associados ao que é ser homem ou mulher e ao facto de nunca se pôr em causa o género, as próprias pessoas trans* podem ter, num primeiro momento, a mesma dúvida.

É também frequente estas dúvidas surgirem na família, que questiona as pessoas trans* sobre se são gays ou lésbicas, por apresentarem comportamentos, preferências ou brincadeiras mais associadas ao género “oposto”.

“Além de que nós estávamos convencidos que era homossexual.”
(Mãe de pessoa trans*)

Por serem duas características independentes, uma pessoa trans* pode ser heterossexual (caso a sua atração seja por pessoas do género “oposto” àquele com que se identifica), homossexual (caso a atração seja por pessoas do género com que se identifica), bissexual (atração por ambos os géneros) ou pansexual (em que a atração é independente do género da pessoa por quem se sente atração).

Apesar de se tratar de temáticas diferentes, e de as pessoas enfrentarem desafios específicos, a identidade de género e a orientação sexual surgem frequentemente associadas, a nível político e associativo, por serem ambas categorias de pessoas socialmente discriminadas por razões semelhantes.

Daí a sigla LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e trans (ver Biscoito de Género).

E SER TRANS* E INTERSEXO É A MESMA COISA?

Não. São também dois conceitos diferentes que refletem situações diferentes. Uma coisa é a identidade de género, outra as características sexuais. A identidade de género é referente à forma como a pessoa se sente e identifica quanto ao género, já as características sexuais referem-se ao corpo: órgãos sexuais externos e/ou internos, genes, cromossomas e hormonas. As pessoas intersexo têm características sexuais que não se enquadram nas definições tipificadas de corpos masculinos ou femininos. Já para as pessoas trans* a questão não é a de terem corpos fora dessas definições tipificadas, mas sim aquilo que sentem que são em termos de género.

SERÁ UMA “FASE”?

Após o momento de revelação da própria pessoa, habitualmente designado como coming out ou “saída do armário”, a ideia que surge com frequência, sobretudo quando se trata de crianças e jovens, é a de que possa ser uma fase. No entanto, apesar de, para a família, o processo só se iniciar nesse momento, a própria pessoa trans* pode já ter passado por um período longo de questionamento interior e, quando resolve assumir, sabe convictamente que é esse o seu caminho.

Ser trans* não é uma escolha nem um capricho, pelo que o melhor é confiar na pessoa que lhe faz a revelação. Ninguém melhor do que ela poderá explicar como se sente. Deve, no entanto, ouvir e colocar todas as perguntas necessárias para esclarecer as dúvidas e fazê-lo a pouco e pouco. Certamente a pessoa trans* está disponível para responder, e é preferível colocar questões do que ficar com ideias erradas que só irão dificultar o processo. No entanto, não só deve dar tempo ao/à seu/sua familiar para ir revelando o que deseja revelar, como deve dar tempo a si própria/o para ir assimilando a nova informação.

“… fiquei um bocadinho naquela esperança que fosse só uma fase. É o que nós pensamos sempre.”
(Mãe de pessoa trans*)

TRATA-SE DE UMA DOENÇA?

Não. A diversidade faz parte da natureza e da essência humanas e a identidade de género não foge a essa regra. São as convenções sociais que criam estereótipos de categorização e limitam a identidade de género às formas masculina ou feminina dominantes, consoante se nasce com “corpo de menino” ou “corpo de menina”, eliminando todas as outras possibilidades.

A própria Organização Mundial de Saúde já deixou de considerar como doença mental as identidades de género não coincidentes com o género atribuído à nascença, classificando-as como “incongruência de género” e colocando-as no capítulo das “condições relacionadas com a saúde sexual”. Algumas pessoas trans* sentem essa “incongruência” entre o sexo atribuído à nascença e a sua identidade de género, o que é designado por “disforia de género”, e podem ter necessidade de recorrer a cuidados de saúde mental ou outros, como endocrinológicos ou cirúrgicos, no sentido de adequarem o seu corpo à sua identidade de género.

Também o sofrimento causado pela incompreensão e dificuldades de respeito social das pessoas trans*, pode vir a ter impacto no seu bem-estar e qualidade de vida, pelo que podem ser necessárias respostas do foro clínico.

É NECESSÁRIO UM DIAGNÓSTICO?

A identidade de género não se valida através de diagnósticos clínicos, porque não é uma doença. A família deve, antes do mais, confiar no que diz a pessoa acerca de si própria e das suas necessidades. Não existe nenhum/ma profissional de saúde física e/ou mental, que perceba melhor do que a própria pessoa qual a sua identidade de género.

No entanto, a família, ou mesmo a própria pessoa, pode sentir necessidade de recorrer a um/uma profissional para a ajudar a compreender e a lidar melhor com a situação.

Se a própria pessoa trans* necessitar de apoio clínico para perceber o que se passa consigo, a família deve procurar ajuda especializada, existindo profissionais especializados/as quer nos hospitais públicos, quer no setor privado.

“… ela não estava bem… já estava com acompanhamento psicológico e depois psiquiátrico… todo o processo se desencadeou a partir daí… julgo que tenha sido uma descoberta para ela mesma…”
(Mãe de pessoa trans*)

Também os membros da família que sintam necessidade de procurar apoio para si próprios podem recorrer a serviços e profissionais especializados/as. Existe ainda muito preconceito acerca do recurso a apoio clínico, contudo, este pode revelar-se uma forma preciosa para o/a ajudar a ultrapassar um dos momentos mais desafiantes da sua vida. Quanto mais rapidamente se sentir bem com a situação, mais disponível estará para apoiar a pessoa trans*.

“… algo que para mim foi importante, e acho que é para outros pais, é não descuidar a sua própria saúde mental. Eu acho que isso é realmente importante, porque temos de estar fortes. Pensar que é importante ajudar o filho, mas só podemos ajudar se estivermos bem, porque ainda há muita dificuldade em aceitar a questão da saúde mental, mas se queremos fazer o melhor possível para ajudar, nós próprios temos de ter condições.”
(Mãe de pessoa trans*)

O QUE É A AUTODETERMINAÇÃO?

O reconhecimento de que ser trans* não é uma doença, mas, antes, que a (auto)identidade de género é um direito fundamental, está consagrado em diversas recomendações internacionais, europeias e nacionais. Em 2007, a “identidade de género” foi consignada como um dos direitos humanos fundamentais. Ao nível europeu, têm sido recorrentes as recomendações do Conselho da Europa para que os Estados reconheçam e protejam o direito à identidade de género de todas as pessoas, independentemente da sua idade ou de quaisquer outras condições. A nível nacional, essas recomendações foram transpostas para a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género de cada pessoa.

Esta lei estabelece que “todas as pessoas são livres e iguais em dignidade e direitos, sendo proibida qualquer discriminação, direta ou indireta, em função do exercício do direito à identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais” (artigo 2.º, n.º 1). Determina também que “quando, para a prática de um determinado ato ou procedimento, se torne necessário indicar dados de um documento de identificação que não corresponda à identidade de género de uma pessoa, esta ou os seus representantes legais podem solicitar que essa indicação passe a ser realizada mediante a inscrição das iniciais do nome próprio que consta no documento de identificação, precedido do nome próprio adotado face à identidade de género manifestada, seguido do apelido completo e do número do documento de identificação” (artigo 3.º, n.º 2).

O reconhecimento do direito à autodeterminação significa que para o reconhecimento civil de género, ou seja, perante a lei e o Estado, é suficiente a declaração da própria pessoa, não tendo que apresentar diagnósticos clínicos ou qualquer outra avaliação sobre a sua identidade de género. Algumas pessoas trans* podem querer realizar tratamentos médicos para adequar o seu corpo ao seu género (tratamentos hormonais e/ou cirúrgicos). A autodeterminação, nestes casos, significa a escolha livre e informada dos tratamentos que cada pessoa quer para si.